Tratar os corpos docente e discente de forma decente: uma nova orientação governativa?

Tratar os corpos docente e discente de forma decente: uma nova orientação governativa?

A propósito das recentes alterações anunciadas pelo Ministério da Educação

“Tratar os corpos docente e discente de forma decente: uma nova orientação governativa?

Nos últimos dias, o Ministério da Educação anunciou a criação de um modelo integrado de avaliação dos estudantes e do sistema educativo. Além disso, abriu a porta a um novo sistema de colocação de professores, com a extinção das Bolsas de Contratação de Escola.

Dando continuidade à revogação dos exames nacionais de 4º ano e das Prova de Aptidão de Conhecimentos e Capacidades (PACC), aprovada pela nova maioria no Parlamento, o executivo revela assim sensibilidade para resolver dois dos problemas que, nos últimos anos, têm gerado maior instabilidade e insatisfação nas comunidades educativas. E fá-lo, com serenidade, dialogando com outros partidos, sindicatos e associações profissionais, marcando um ponto de viragem relativamente à posição autoritária, precipitada e arrogante da anterior administração.

No primeiro caso, o governo de direita havia imposto um conjunto de exames nacionais, nos 4º, 6º e 9º anos de escolaridade, com grande aparato disciplinar e mediático, que rapidamente se tornaram a medida central para julgar os estudantes, os professores e as escolas. Um modelo que já não vigora em nenhum outro país da Europa, mas que procurou restabelecer uma ilusão de ordem e exigência da escola do Estado Novo, apoiada em mecanismos anacrónicos de autoritarismo, competição e seleção. Enquanto os ganhos ao nível das aprendizagens dos estudantes não se evidenciaram, os efeitos na instabilidade e na segregação dos agentes educativos foram significativos: mais estudantes reprovados, em explicações e desviados para vias vocacionais, degradação da imagem das escolas públicas com benefício para as privadas, alertas permanentes das associações profissionais de professores, bem como de psicólogos e psiquiatras que trabalham com crianças e adolescentes.

No segundo caso, o governo cessante havia criado um exame nacional para professores, eliminatório no acesso à carreira, assim como um sistema de colocação nas escolas, em que critérios definidos pelos diretores eram combinados com critérios nacionais. Ambos os procedimentos foram criados sem diálogo com as organizações sindicais e profissionais, merecendo o repúdio destas, o que motivou inclusive vários processos judiciais, por acusações de ilegalidade e inconstitucionalidade. Estes mecanismos revelaram inúmeras falhas, não contribuindo para a qualificação da profissão docente, mas sim para a instabilidade e degradação das condições de trabalho dos professores. O mais grave terá sido o caos no arranque letivo de 2014-2015, com centenas de professores a serem deslocados em vão pelo país e milhares de estudantes a ficarem sem aulas durante semanas e, nalguns casos, meses.
Enquanto aguardamos por mais detalhes sobre os novos modelos que entrarão em vigor, importa salientar que estas orientações vão no sentido daquilo que tem sido defendido pelo LIVRE. No programa com que se apresentou às eleições em 2015, pode ler-se:
“Privilegiamos uma avaliação eminentemente contínua, formativa e qualitativa, abolindo os exames nacionais no 4º e no 6º anos, revogando o modelo de avaliação vigente, centrado em notas, médias e rankings”.
“Defendemos o concurso nacional de colocação dos profissionais e a revogação da Prova de Aptidão de Conhecimentos e Capacidades (PACC), revalorizando os modelos de formação inicial e contínua de modo a garantir a estabilidade profissional e pedagógica nas escolas”.

Portanto, o desafio agora será criar sistemas mais dignos, formativos e justos, não se limitando a reabilitar sistemas antigos cujas fragilidades também são reconhecidas. Há muito conhecimento neste campo que deve ser mobilizado. É possível avaliar os progressos dos estudantes através de um modo formativo, abrangente e inclusivo. É possível colocar os professores, através de um processo transparente, equitativo e que tenha em conta as suas competências. É esse o caminho pelo qual continuaremos a lutar.”

Pedro Abrantes
coordenador do Grupo Programático de Educação do programa do LIVRE/Tempo de Avançar