Canábis: Saúde e Ecologia

Canábis: Saúde e Ecologia

O LIVRE saúda e apoia toda e qualquer iniciativa parlamentar com vista à melhoria do acesso à Canábis medicinal em Portugal e apela a um enquadramento legislativo do cultivo que considere a sua ecologia, garante da sua qualidade farmacêutica.

Há necessidades de saúde em Portugal que poderiam ser satisfeitas se a Canábis fosse tratada por aquilo que é: uma planta medicinal. Reduzir uma planta com mais de 400 compostos de interesse farmacêutico a “substância psicotrópica e estupefaciente” é impedir o acesso de pelo menos 1 milhão de portugueses aos seus benefícios terapêuticos.

O conhecimento médico hoje disponível apoia a sua prescrição em várias situações. É tempo de dar a decisão de escolha de tratamento aos doentes e aos seus médicos.

Para algumas indicações médicas de grande impacto epidemiológico, a Canábis e seus derivados constituem-se como uma alternativa terapêutica válida. É o caso do tratamento da dor, em que os analgésicos opiáceos, tipo morfina, têm um pior perfil de efeitos adversos que a Canábis ou o caso dos anticonvulsivantes, usados no controlo dos surtos epilépticos, onde as formulações de canabidiol (CBD) têm resultados benéficos, inclusive em crianças.

Desde 2001 a aquisição, a posse e o consumo de drogas deixaram de ser considerados crime em Portugal, mas cultivar esta planta medicinal para uso terapêutico pessoal permanece ilegal, empurrando doentes para o mercado negro e agredindo o direito de cada um de procurar a melhor forma de aliviar o seu sofrimento. O LIVRE defende assim a possibilidade de cultivo de pequenas quantidades (4-6 plantas) para uso terapêutico pessoal. No conflito entre o direito individual, de cultivar Canábis para uso terapêutico pessoal e o direito da sociedade, colectivo, à protecção da saúde pública, consideramos que a inclusão de salvaguardas, como limites de produção e ausência de transacção comercial, melhoram as condições de acesso à terapêutica ao mesmo tempo que mitigam potenciais riscos na saúde pública. O cultivo pessoal de Canábis para fins terapêuticos permitirá também diminuir o impacto no orçamento da saúde decorrente da comparticipação de manipulados à base de canabinóides.     

Subsidiariamente, seria útil aproveitar a janela de oportunidade da revisão legislativa para retirar da tabela de estupefacientes e substâncias psicotrópicas as variantes de Canábis não psicoativas de interesse têxtil e alimentar.

 

O LIVRE considera também essencial a existência do regulamento do cultivo de Canábis, com foco no enquadramento ecológico. O objectivo de desenvolvimento económico associado ao cultivo e transformação de Canábis deve ser compatibilizado com o imperativo de sustentabilidade ambiental.

Hoje estão licenciados 11 campos de futebol para cultivo de Canábis. Uma procura externa a crescer 33% ao ano somada às condições naturais para o cultivo e à existência de mão de obra apropriada em Portugal sugere uma aceleração destes pedidos de licenciamento ao INFARMED por parte de multinacionais farmacêuticas estrangeiras. Tendo em conta que a produção de Canábis por farmacêuticas se destina à extracção dos seus principais compostos, tetrahidrocanabinol e canabidiol, são de prever monoculturas intensivas da planta com riscos ecológicos já assinalados na Califórnia, designadamente pela necessidade de terreno arável e elevados recursos hídricos. Também porque consideramos que Portugal deve valorizar a qualidade e diversidade e menos a quantidade, uma aposta na Canábis medicinal deve promover a biodiversidade para se obterem perfis de compostos suficientemente diferentes para o desenvolvimento de vários tipos de preparados para terapêuticas individualizadas. Os novos pedidos de licenciamento ou de expansão de produção por parte de empresas multinacionais estrangeiras devem ser analisados com cautela e enquadrados nesta visão ecológica.

Assim, o regulamento do cultivo deverá promover uma aposta nacional em investigação e desenvolvimento da Canábis, respeitante da sua biodiversidade, dando primazia à segurança alimentar e mitigando potenciais riscos ecológicos. Concretamente, isto passará pela aprovação de legislação para o cultivo que o enquadre na ecologia agro-florestal portuguesa; pelo aprovisionamento das farmácias e laboratórios de investigação de Canábis de qualidade controlada; pela dispensa e comparticipação da planta e seus preparados, por exemplo, na legislação dos medicamentos manipulados.

 

[1] Butsic, V., & Brenner, J. C. (2016). Cannabis (Cannabis sativa or C. indica) agriculture and the environment: a systematic, spatially-explicit survey and potential impacts. Environmental Research Letters, 11(4)

[2] Medicamentos manipulados: Fórmulas Magistrais, quando são preparados segundo uma receita médica que especifica o doente a quem o medicamento se destina, ou Preparados Oficinais, quando o medicamento é preparado segundo indicações compendiais, de uma Farmacopeia ou Formulário

[3]Artigo 8 (1) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem

[4]Artigo 8(2) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem

[5] Bone, M., & Seddon, T. (2016). Human rights, public health and medicinal cannabis use. Critical Public Health, 26(1), 51–61