Nos 111 anos de Hannah Arendt, recordar os refugiados em Lisboa

Nos 111 anos de Hannah Arendt, recordar os refugiados em Lisboa

LIVRE proporá comemoração na Assembleia Municipal de Lisboa

Nos 111 anos de Hannah Arendt, recordar os refugiados em Lisboa

 

“A comunidade dos povos da Europa estilhaçou-se no momento em permitiu que os seus membros mais vulneráveis fossem excluídos e perseguidos”.

Hannah Arendt. Nós, Refugiados (1943)

 

Comemora-se hoje o 111º aniversário de Hannah Arendt, nascida a 14 de outubro de 1906 na Alemanha no seio de uma família judaica, uma das maiores vozes do pensamento no século XX. Filósofa de formação, estudiosa e divulgadora de teoria política, ensaísta e cronista de alguns dos momentos mais cruciais da história europeia e mundial contemporânea, Hannah Arendt é uma pensadora cada vez mais relevante.

Os seus livros continuam a ser o fundamento de alguma da melhor reflexão atual, e certamente futura, sobre responsabilidade, republicanismo, direitos humanos, cosmopolitismo e ecologia. Os seus textos sobre o totalitarismo são hoje revisitados à luz da vaga nacional-populista dos últimos anos. Os seus textos sobre os refugiados e apátridas são cada vez mais uma fonte de inspiração e conforto para todos aqueles e aquelas que vivem as situações de maior vulnerabilidade humana no mundo, e para todos os que lutam por ver os direitos dos refugiados e apátridas reconhecidos e respeitados.

O que pouca gente sabe, contudo, é que Hannah Arendt viveu em Portugal, e mais concretamente em Lisboa, quando foi ela própria refugiada ao fugir da França sob ocupação nazi em 1940. Hannah Arendt chegou a Lisboa em janeiro de 1941, acompanhada pela sua mãe e pelo seu marido, o poeta Heinrich Blücher. Estava ainda sob o choque do suicídio do seu grande amigo, o filósofo Walter Benjamin, quando este tentara passar a fronteira entre a França e a Espanha no ano anterior. Durante os três meses e meio em que viveu em Lisboa, entre janeiro e maio de 1941, a filósofa judia alemã leu o manuscrito Teses sobre a Filosofia da História que o seu falecido amigo lhe legara, e que assim se salvou para a posteridade. A estadia em Lisboa, junto com uma multidão de outros refugiados e apátridas fugidos à perseguição racial e política dos nazis e fascistas, foi vivida num clima de ansiedade e desânimo até ao momento em que a família finalmente conseguiu a sua passagem para atravessar o Atlântico a caminho de Nova Iorque. Arendt ficou sem cidadania de nenhum país, e portanto sem proteção de direitos fundamentais, durante mais de duas décadas. Foi essa vulnerabilidade vivida em Lisboa, como noutras cidades da Europa e da América, que terá inspirado uma das obras mais sucintas e impactantes da filósofa, o manifesto Nós, Refugiados.

Num contexto em que o drama dos refugiados e a luta pela tolerância, a inclusão e os direitos de todos os humanos sem exceção volta a ser da mais urgente atualidade, o LIVRE sugere que a sociedade civil portuguesa e europeia cumpram com o seu dever cívico ao lembrar as vidas dos refugiados e apátridas que nos precederam e que seja celebrado o seu contributo para a história humana e o importante chamamento moral que o seu exemplo de vida invoca. Por isso entendemos, também enquanto tributários do pensamento de Hannah Arendt, que seria importante lembrar a sua memória hoje.

Exatamente por isso, uma das primeiras propostas dos deputados do LIVRE eleitos à Assembleia Municipal de Lisboa no passado dia 1 de outubro, será a de dar permanência à memória de Hannah Arendt em Lisboa através de uma placa ou um simples monumento a erigir junto ao prédio ou na rua onde viveu, Rua da Sociedade Farmacêutica, ao nº 6, hoje na freguesia de Santo António.